A partir do momento em que a decisão de peregrinar a Santiago de Compostela é tomada, surge uma série de questões práticas sobre a preparação física, o equipamento adequado, os detalhes da viagem, a logística do dia a dia. A informação sobre esta faceta preparatória do Caminho é abundante.
Então, e a preparação mental? Como me preparo psicologicamente?
Na verdade, não há um manual de instruções, não há um preceito a seguir, não há uma fórmula infalível. Tudo depende de cada um de nós. Se é verdade que é preciso habilitar o corpo para uma longa e árdua caminhada de dias a fio, não é menos verdade que também o espírito precisa de “treino”. A preparação mental é um exercício cuja fórmula é mais difícil de encontrar nas centenas de páginas de internet que pesquisamos, nos guias que lemos ou nas conversas que encetamos com outros peregrinos.
Como fazer a preparação mental para o Caminho de Santiago?
Terei capacidade de percorrer 800km a pé com tudo o que isso implica?
A realidade é esta: serão muitos dias seguidos, provavelmente mais de 30, a andar mais de 20km por dia durante horas a fio. Serão 800km de subidas e descidas muito exigentes para as pernas, caminhos com milhares de pedras que maceram os pés, trilhos árduos e sentenciadores, poeirentos ou enlameados, longos e aborrecidos. Serão dias de sofrimento, com dores nos músculos, com bolhas nos pés, com uma carga pesada às costas. Serão dias de chuva que enregela ou sol que queima, de vento que nos fustiga impiedosamente. Serão muitos dias longe do lar, da esposa ou do esposo, dos filhos ou dos pais, dos amigos ou familiares. Serão dias em que a nossa zona de conforto não existe, de todo. Serão dias em que temos que abandonar o nosso ego e toda a bagagem que a ele vem amarrada.
Se fisicamente até podemos fortalecer de antemão o corpo para levar a peregrinação a bom termo, a nível mental essa força tem que ser muito superior. Logo nos primeiros dias o corpo vai querer mais descanso do que lhe é dado, vai reclamar de tudo a que o sujeitamos, vai querer desistir. Esses primeiros dias são determinantes, só a força de vontade nos faz avançar e uma boa preparação mental é essencial. Depois seguem-se uns dias em que nos sentimos tão confiantes que julgamos que já nada nos quebra – normalmente é quando algo nos atinge de tal forma que nos quebra pela raiz. Pelos últimos dias, o cansaço acumulado é de tal ordem e o sofrimento tão grande que facilmente somos tentados a vergar.
Quem parte para o Caminho a pensar que será um passeio, desengane-se. Há dias bons, sem dúvida alguma, mas os dias maus espreitam em cada esquina e usualmente não falham no alvo quando o peregrino está na mira. Muito teste, muita provação, muita dificuldade é a promessa que o Caminho cumpre sempre.
O primeiríssimo passo da preparação mental é definir que razões o levam ao Caminho: são religiosas, culturais ou desportivas? Definido o propósito, torna-se mais fácil refletir sobre a atuação e postura num caminho milenar de peregrinação religiosa, tendo sempre em conta que os companheiros de Caminho tem muito provavelmente outra motivação. O “outro” face ao “eu” despoleta as maiores lições do Caminho.
Para começar, há que atravessar um país que, ainda que sendo vizinho, nos é desconhecido e no qual somos estranhos. Há que saber aceitar com humildade sincera as infraestruturas que foram criadas para albergar e atender os peregrinos. Elas podem não estar no nosso patamar de exigência, mas as nossas exigências estão muitas vezes desadequadas à realidade. A queixa e a crítica são fáceis e rápidas de nos sair da boca. Pensemos nos albergues: são albergues e não hotéis de cinco estrelas, a maioria deles mantidos por voluntários.
- Serei eu capaz de dormir num albergue apinhado?
- Com camas básicas?
- Com chuveiro partilhado e muitas vezes sem água quente?
- Serei eu capaz de dividir este espaço com o peregrino a meu lado?
- Serei capaz de tolerar o barulho dos outros?
- Serei capaz de respeitar o espaço e descanso dos outros?
- Como reagirei se não houver vaga para mim no(s) albergue(s)?
- Manterei a calma e terei a coragem para ir à procura de uma alternativa?
Quanto a outros serviços indispensáveis como os restaurantes ou bares, os supermercados ou farmácias. O atendimento não tem que estar ao nível dos meus padrões, eu é que tenho que me adaptar.
- Serei compreensivo quando me atendem com “cara de poucos amigos”?
- Alguma vez pensei nas condicionantes de quem está por trás dum balcão?
- Qual é o meu papel como cliente por uma única vez?
Chegará o dia em que nos medimos face aos outros, vamos ter medo, perder a coragem, vacilar perante as dificuldades e, mais vezes do que o desejado, questionar a nossa motivação para estar no Caminho.
- A razão que me leva a fazer 800km é um capricho ou um chamamento?
- Estou preparado para uma viagem espiritual?
- Para confrontar os milhares de pensamentos negativos que me vão cruzar a mente e as atitudes menos positivas que posso vir a ter com os outros?
- Estou pronto para conhecer e defrontar os meus limites?
- Estou pronto para me encarar a mim mesmo no mais básico e profundo do meu âmago?
- Há coisas que estão fora do meu alcance, como lidarei com elas?
Como seres humanos não temos um botão de “off” como as máquinas. Mas se não formos capazes de “desligar” certos aspetos com que preenchemos a nossa vida diária, pouco proveito tiramos da viagem interior que temos a oportunidade de viver.
- Já estabeleci prioridades para o meu Caminho?
- Tenho bem definido o que é crucial?
- Que portas estou disposto a abrir aos outros?
- Tenciono dar ou receber? Ser alegre e benevolente?
- Consigo destrinçar o trigo do joio?
- Consigo tolerar o mal que possa vir com o bom?
- Serei capaz de transformar o negativo em lições positivas de vida?
O Caminho ensina-nos a valorizar e estar gratos pela vida privilegiada que temos em “casa” e que muitas vezes negligenciamos por a tomarmos como garantida: a família, os amigos, o conforto, a vida. O Caminho pode ser um mestre em lições de humildade, caridade, simplicidade, tolerância, sofrimento e superação. Se lhe dermos oportunidade.
Não é fácil, mas é indispensável! Antes de partir, faça um exame de consciência e assuma um compromisso consigo mesmo. Defina o peregrino que quer ser e “assine o seu próprio contrato”.
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Dicas Práticas para preparar o seu Caminho de Santiago
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Questões muito oportunas e muito bem estruturadas. o peregrino não é um turista – neste caso.
Um grande compêndio! Se um dia fizer o caminho é aqui que venho buscar todas as informações necessárias. Parabéns!
Boa tarde José Mota. Muito obrigado pelas palavras que nos deixa. Abraços
Olá Hugo! Muito Obrigado. E se for preciso mais informações é só dizeres 🙂 Abraços
olá, adorei o artigo e vou descarregar a sinopse do vosso livro para ler também. Obrigada pela ajuda e inspiração! Estou a pesquisar e a ler sobre o Caminho Português de Santiago porque estou a pensar fazê-lo em Janeiro, sim…daqui a mais ou menos um mês 🙂 Como caminheiros experientes, quais as sugestões/dicas me podem dar? estou especialmente preocupada com o percurso bloqueado (com neve por exemplo) e albergues fechados por ser "low season". Conhecem alguém que tenha feito o caminho no Inverno? Obrigada mais uma vez!
Olá D!
Obrigado pelo comentário. Ficamos muito contentes por saber que estamos a conseguir ajudar outros peregrinos.
Em relação ao Caminho no Inverno já lemos vários relatos na internet mas pessoalmente não conhecemos ninguém que o tenha feito.
No Caminho Português não deverá ter muitos problemas com neve a não ser no Minho e na Galiza (já no Caminho Francês a neve é um problema mesmo muito sério). Mas poderá encontrar muitos troços inundados, sobretudo na região do Vale do Tejo. A solução aí será ir pelas estradas nacionais. A lama é outro problema grave. Para além de ser extremamente escorregadia atrasa muito o passo. No Inverno em que nos preparamos para o Caminho Francês fizemos duas etapas com mochila no Inverno, saindo de Lisboa e os trilhos estavam todos alagados. Foi muito duro!
Conselhos para caminhar com frio são os do costume: vista-se com camadas e tente fazer as paragens em locais abrigados. Os riscos de hipotermia devem ser tido em conta.
Quanto aos albergues convém telefonar com antecedência (um ou dois dias) para saber se estão abertos e poder assim planear as suas etapas de acordo com essa informação (nas terras maiores terá sempre alternativas de alojamento, nas pequenas pode ser um problema… por isso convém evitar fazer finais de etapa em terras muito pequenas no Inverno).
Se tiver questões especificas envie-nos um mail que teremos todo o gosto em ajudar.
Bom Caminho!
olá,
no ano passado (2016) fiz o caminho central português de Santiago de Compostela a partir do Porto, já há alguns anos que queria fazer o caminho, felizmente aconteceu no ano passado. e vou fazê-lo novamente este ano (2017). quando o fiz pela primeira vez foi um misto de várias coisas, como por exemplo: sair da minha zona de conforto, aquela sensação de ter de que o fazer, entre outras coisas.
no final disto tudo foi muito gratificante em muitos aspectos. houve alturas em que estava quase querer desistir, mas havia sempre algo a dizer para continuar. ganhei amizades, no qual falo no facebook.
há pouco tempo uma amiga deu-me este blog (ou site, peço desculpa em não saber distinguir isso), e do qual foi muito elucidativo em muitas coisas.
estou também a tentar planear em fazer o caminho francês ou o primitivo.
dou-vos os parabéns por esta página.
bem haja e continuação de um bom caminho
Olá Francisco! Revemo-nos nas suas impressões sobre o Caminho. É verdadeiramente uma experiência de vida que nos marca pelo que de bom tem (a introspeção, o auto-conhecimento, a beleza inerente aos espaços abertos por onde se anda) e até pelo menos bom (as dores, o árduo combate interior e exterior, o reconhecimento de fragilidades). Contudo somos defensores que tudo o que vivemos e experienciamos – na longa caminhada que é no fundo a Vida – pode ser transformado em algo de positivo para ser posto em prática todos os dias. Como o Francisco diz, é gratificante. Mas mais do que isso, é transformador. O nosso sincero Obrigado pelas suas palavras e se precisar de algo da nossa parte para o ajudar com o seu Caminho Francês ou Primitivo, teremos todo o gosto em ajudar. Ultreia!
Confiante em trilhar o caminho e ainda com as informações que vcs passam e mais ainda por ser o pais de meus ancestrais paternos.
Gratidão” forever”.
Que bom de saber Vanira! Esperamos que tenha um Caminho cheio de luz. Se precisar de algo específico é só dizer. Gratos pelas suas palavras é Bom Caminho.
Adorei !!Que casal generoso!
Muito boas as informações deixadas nesse texto.
Muito obrigado Elaza 🙂 Bom Caminho!
Olá Anabela e Alexandre! Cheguei ao vosso Blog, porque ando á procura de informações sobre o Caminho ( rotas, albergues, concelhos práticos,etc ) e acho que é o melhor que encontrei. Vocês são um casal maravilha e concordo com tan……to que escreveram sobre as vossas viagens, embora eu não seja grande viagante.
O meu nome é Alda, tenho 53 anos e a partir de certa altura da minha vida (2 cirurgias cardíacas seguidas), achei que nunca mais conseguiria realizar os meus sonhos e metas de vida. Já fui a Santiago de Compostela de carro e ao passar pelos Peregrinos que caminhavam, sentia uma envejazinha (saudável claro !).
Ontem á noite passou uma reportagem na RTP 1 sobre os Caminhos de Santiago e desatei a chorar. O meu marido perguntou-me porquê e eu disse-lhe que nunca poderia percorrer o Caminho porque não tinha capacidade física para isso. Ele teve uma ideia que me pareceu maravilhosa: porque não fazer o caminho por etapas. Cada ano fazer o que o meu “coração” suportar e no ano seguinte recomeçar do ponto que alcancei. Sei que tenho que fazer preparação física ( o motor só trabalha aí a 50/60%).
Dizem que os conselhos são como a água, só se dão a quem os pede. Por isso pergunto-lhes: se tiver consentimento médico, acham que é uma ideia viável? Será ingenuidade minha?
Hoje, olhando para o meu passado, sempre esperei por isto. Preciso de me superar ( de outra maneira ) ao continuar a percorrer um caminho que não têm sido nada fácil para mim.
Peço desculpa pelo testamento.
Um grande abraço e continuem a ser VagaMundos por muitos e muitos anos.
PS: O nome do vosso blog vaz-me lembrar aquele poema maravilhoso “Vagabundos do Mar” de Manuel da Fonseca.
Olá Alda,
Muito obrigado pelas amáveis palavras que nos escreveu.
Relativamente ao Caminho, acreditamos que o seu companheiro de vida teve uma excelente ideia. Se tiver permissão médica não hesite em partir. Costumamos dizer que o Caminho começa quando escutamos o chamamento. Assim sendo o Caminho da Alda já começou. Ao longo dos vários caminhos que percorremos cruzamos-nos com casos de superação extraordinários logo acreditamos que se fizer o Caminho lentamente e com o apoio do seu marido a Alda vai conseguir realizar o seu sonho de chegar a Santiago. Não precisa de fazer 20km. Faça 10, faça 5. Vai ver que passo a passo vai alcançar o seu objectivo. Ficamos a torcer para que o seu médico lhe dê permissão.
Grande abraço nosso e vá dando notícias 🙂
Estou amando ler o blog de vcs. Já li quase tudo e tenho vontade de comecar tudo de novo.
Vou fazer o Caminho em abril, antes da Páscoa.
Recebi o “Chamado” há 2 dias enquanto estava em oracäo.
Engracado isso, né? É uma coisa que entra na cabeca da gente täo forte que näo sai mais. É como se ouvíssemos a voz de Deus.
Eu tenho uma pergunta: todos escrevem o caminho de ida, mas ninguém escreveu como voltar. Eu moro em Hannover.
Eu vou voar para Porto e vou de trem até Tui. Quando chegar em Santiago, como volto p/ Porto? Tem trem p/ voltar?
Obrigada pelo seu Blog!! Ajudou muito!
Olá Rita.
Ficamos muito felizes por saber que está gostando de ler o nosso blog. Gratos pelas suas palavras.
O Caminho é mesmo assim. Um dia bate à porta e não tem como ignorar o chamamento 🙂
Relativamente ao regresso não se preocupe. Tem vários ónibus diários de Santiago para o Porto.
Basta ir na estação de camionagem e escolher o horário que for melhor para si, não precisa de comprar com antecedência.
Bom Caminho!